NOME DE POBRE NO BRASIL

quinta-feira, 8 de maio de 2014

MACHADO DE ITARARÉ, BARÃO DE ASSIS

Meu artigo em O Globo, hoje, 8 de maio de 2014 A vida do Bruxo do Cosme Velho, como o chamou Carlos Drummond de Andrade, não foi fácil, mas, se ele vivesse no Brasil de hoje, seria ainda pior Quando junho vier, antes de outubro chegar, milhões de leitores serão enganados por um falso Machado de Assis. É que serão distribuídos seiscentos mil exemplares (600.000; você não leu errado!) de uma edição falsificada de “O alienista”, uma história de loucos, isto é, de médico e louco, dos quais todos nós temos um pouco, mas não na dose a ser administrada ao distinto público nas próximas semanas. Machado de Assis foi o maior escritor brasileiro de todos os tempos. De seu livro roubado e mutilado foi produzida essa montanha de equívocos, com o seu, o meu, o nosso dinheiro, por meio de um recurso fabuloso, a renúncia fiscal, que, entretanto, tem resultado em projetos culturais tão louváveis, bonitos e importantes! Mas que vem se prestando também a algumas falcatruas. A vida do Bruxo do Cosme Velho, como o chamou Carlos Drummond de Andrade, não foi fácil, mas, se ele vivesse no Brasil de hoje, seria ainda pior. Poucos entendem seus livros nos circuitos escolares, e a razão é muito simples. Basta olhar nossos indicadores de educação no mundo! Mas o motivo é outro, segundo nos esclarece Patrícia Secco, a autora da “adaptação”. “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”, profetizou o lendário humorista gaúcho Barão de Itararé. “Entendo por que os jovens não gostam de Machado de Assis”, disse Patrícia Secco ao jornalista Chico Felitti. “Os livros dele têm cinco ou seis palavras que não entendem por frase. As construções são muito longas. Eu simplifico isso.” Escreve o jornalista: “Ela simplifica mesmo: Patrícia lançará em junho uma versão de ‘O alienista’, obra de Machado lançada em 1882, em que as frases estão mais diretas e palavras são trocadas por sinônimos mais comuns (um ‘sagacidade’ virou ‘esperteza’, por exemplo).” (...) “A ideia não é mudar o que ele disse, só tornar mais fácil.” Machado era órfão de mãe (de pai é uma coisa, de mãe é outra, o abandono é ainda maior!), descendente de negros, pobre, gago, epiléptico, casou com uma solteirona portuguesa que tinha comido a merenda antes do recreio, e não tiveram filhos para não transmitir a ninguém o legado da doença. Mas deixou-nos uma obra imortal! Mais que gênio, oxigênio de nossas letras, Machado venceu preconceitos de raça, de cor, de dinheiro, de tudo. Mas não passou pela senhora dona Patrícia Secco, em breve “coberta de ouro e prata (600.000 exemplares!)”, mas que “descubra seu rosto”, “queremos ver a sua cara”. Augusto Meyer disse que “quase toda a obra de Machado de Assis é um pretexto para o improviso de borboleteios maliciosos, digressões e parênteses felizes”. Araripe Júnior também foi outro que se enganou: “Filho das próprias obras, ele (Machado) não deve o que é, nem o nome que tem, senão ao trabalho e a uma contínua preocupação de cultura literária.” Astrojildo Pereira enganou-se ainda mais: “Machado de Assis é o mais universal dos nossos escritores; (...) ele é também o mais nacional, o mais brasileiro de todos.” O francês Roger Bastide, destacando a paisagem carioca que poucos viam em Machado, concluiu: “Escrevi estas páginas de protesto contra os críticos literários que lhe negam essa qualidade: humilde homenagem de um estrangeiro a um mestre da literatura universal.” Paro por aqui. A senhora dona Patrícia Secco não tem o direito de fazer o que fez. A obra de Machado de Assis não é dela. É patrimônio do povo brasileiro. Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/machado-de-itarare-barao-de-assis-12415052#ixzz316rBCgpH © 1996 - 2014. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.

3 comentários:

  1. Deve haver explicação, mas, soa como uma babaquice tão grande que só posso me indignar: Machado de Assis será traduzido para brasileiros.

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  2. Fiquei estarrecida com esta notícia! Dias antes já havia me apavorado com uma solicitação feita pelo colégio de minha neta de 15 anos para que lesse como dever da aula de português Os Miseráveis "adaptado" por Walcyr Carrasco! Minha Tia, Lucia Miguel Pereira, considerada a melhor biógrafa crítica de Machado de Assis, se outra vida existe, deve estar desesperada! Esta "revitalização" dos livros clássicos ultrapassa todos os limite do aceitável. Esta moça, Patrícia Secco, além de cometer esta indignidade, rotula todos os jovens da atualidade de imbecis. Grata por seu artigo. Pelo menos uma voz se eleva para denunciar este crime. Queira Deus que sejam casos isolados e que obras de Zola, Eça de Queiroz, Graciliano Ramos, Camus e quem mais sei eu escapem desta mutilação criminosa.

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  3. Grande texto e pontaria certeira. Obrigado. Com muito gosto, republiquei.
    José Horta Manzano
    www.BrasildeLonge.com

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